Da mudança, comprometo-me a falar menos que dizer.
Preocupar com as pontuações.
Sacar antes de safar.
Minimizar as exclamações, surpreender-me com as interrogações.
Sentir o aroma, o gosto.
Priorizar os travessões, predicar menos.
Dar mais espaço.
E, somente quando da contingência
e do ínfimo cálculo,
usar o ponto final.
E, aí, escrever.
domingo, dezembro 19, 2010
sexta-feira, dezembro 17, 2010
Li-o três vezes. Seguidas.
Em todas, um suspiro, partindo de baixo percorrendo todo o corpo. Até sua força motriz abrir minha boca, num gesto infantil, e um grunhido de satisfação se permitir.
Acreditava em Maria. E em sua vontade aparecer.
Li mais uma vez.
Um sorriso em mim se deu, de soslaio.
“Maria anda como eu:
Impossibilitada de fazer
tudo o que quer.
Tem mãos amarradas,
ar de doente, olhar de demente,
cansada.
Maria vai acabar como eu:
covarde nas decisões,
amante das cousas indefinidas
e querendo compreender suicidas.
Maria vai acabar assim sem rumo,
andando por aí,
fazendo versos
e tendo acessos
nostálgicos.
Maria vai acabar bem tristemente.
De qualquer jeito,
lendo jornais,
tendo marido,
indefinido.
(Não sei por que Maria
quer compreender
muito, demais,
a vida de suicida.
E Maria vai acabar
se fartando da vida.)
A vida, coitada,
é camarada, gosta de Maria,
quer fazer Maria viver mais,
porque Maria é desgraçada.
Quer deixa-la para o fim,
assim à mostra,
e eu francamente não entendo
por que Maria não gosta
da vida."
Hilda Hilst
... de quando, aos vinte e pouco, entregou-se às palavras...
Em todas, um suspiro, partindo de baixo percorrendo todo o corpo. Até sua força motriz abrir minha boca, num gesto infantil, e um grunhido de satisfação se permitir.
Acreditava em Maria. E em sua vontade aparecer.
Li mais uma vez.
Um sorriso em mim se deu, de soslaio.
“Maria anda como eu:
Impossibilitada de fazer
tudo o que quer.
Tem mãos amarradas,
ar de doente, olhar de demente,
cansada.
Maria vai acabar como eu:
covarde nas decisões,
amante das cousas indefinidas
e querendo compreender suicidas.
Maria vai acabar assim sem rumo,
andando por aí,
fazendo versos
e tendo acessos
nostálgicos.
Maria vai acabar bem tristemente.
De qualquer jeito,
lendo jornais,
tendo marido,
indefinido.
(Não sei por que Maria
quer compreender
muito, demais,
a vida de suicida.
E Maria vai acabar
se fartando da vida.)
A vida, coitada,
é camarada, gosta de Maria,
quer fazer Maria viver mais,
porque Maria é desgraçada.
Quer deixa-la para o fim,
assim à mostra,
e eu francamente não entendo
por que Maria não gosta
da vida."
Hilda Hilst
... de quando, aos vinte e pouco, entregou-se às palavras...
domingo, novembro 28, 2010
quinta-feira, novembro 18, 2010
"É por isso que não me canso de dizer:
qualquer amor que possa receber e dar,
qualquer felicidade que possa receber ou fornecer,
cada breve gesto gentil,
qualquer coisa que funcione..."
Boris é quem proclama.
Mais um dos pseudônimos de Woody Allen.
Tudo pode mesmo dar certo?
Lema de Boris: qualquer coisa que funcione.
Ele mesmo diria se tratar de um cliché.
Whatever...
É vero, não?
qualquer amor que possa receber e dar,
qualquer felicidade que possa receber ou fornecer,
cada breve gesto gentil,
qualquer coisa que funcione..."
Boris é quem proclama.
Mais um dos pseudônimos de Woody Allen.
Tudo pode mesmo dar certo?
Lema de Boris: qualquer coisa que funcione.
Ele mesmo diria se tratar de um cliché.
Whatever...
É vero, não?
domingo, outubro 24, 2010
A arte é mambembe. Ela provoca, ilumina, assusta, convoca, tenta explicar.
Quando se trata, em minha opinião, de arte de rua, então... É ali, onde qualquer coisa pode acontecer. Acreditava que nesta Bienal de São Paulo, a ousadia pudesse ter seu lugar, mas a arte, que não pode ser enquadrada, está ficando "quadrada".
Banksy nos ensina que o enquadre é do olhar. Mas acho que ele diz também do acontecimento.
O acontecimento enquadra.
Mas um enquadre mambembe. Flexível. Flácido. Cuja borda toma variadas formas. Talvez até mais de uma a cada vez. Sem se deixar escravizar pelo tempo.
A pichação também nos ensina um pouco isso. Aquele que escreve "por impulso" como dizem.
Ou por se ver ser visto pela cidade.
Talvez na rua, a arte toma outro rumo. Na rua, a informalidade é mais bem vinda, não? E aí o próprio acontecimento faz uma visita. Inesperada, na maioria das vezes.
Li que Baudelaire pensava que a arte ocupava um lugar entre o transitório, contingente e o eterno.
Ela definida ali não nos diz se a cada vez, a cada olhar ou a cada um, o traço muda.
Do autor, está inscrito. Do expectador, o traço vira experiência. Prova-se do traço.
Mas na pichação não se satisfaz.
Coloca-se o corpo em cena e deixa-se também se inscrever.
É arte? Não sei.
Mas tá ali.
E Banksy, um artista em sua essência, nos convoca a pensar que sendo arte ou não, ela causa. Fura a borda. Pois está sempre a querer refazê-la.
domingo, setembro 26, 2010
"Santo de casa não faz milagre, faz repetir pecado.
Nascia ele menino. Fruto da história de no mínimo 3 gerações. Levando em consideração que vivia em um país novo. As cinzas do tempo, a poeira do vento. Tudo efêmero e não-efêmero. Riscos e rabiscos, de sua história mal contada. Ele mesmo balbuciava pouco, dizia poucas palavras. Alguns recursos. Pontos de chorar de soluçar. Crescia em ladeira íngreme. Passou a escrever. Porcos com Asas. O Diário Secreto de Laura Palmer. Ou nada lia.
Só escrevia quando quisesse. E queria. Mas não escrevia. Escrevia quando achava que queria".
a autoria: um encontro de amigos em um domingo.
Nascia ele menino. Fruto da história de no mínimo 3 gerações. Levando em consideração que vivia em um país novo. As cinzas do tempo, a poeira do vento. Tudo efêmero e não-efêmero. Riscos e rabiscos, de sua história mal contada. Ele mesmo balbuciava pouco, dizia poucas palavras. Alguns recursos. Pontos de chorar de soluçar. Crescia em ladeira íngreme. Passou a escrever. Porcos com Asas. O Diário Secreto de Laura Palmer. Ou nada lia.
Só escrevia quando quisesse. E queria. Mas não escrevia. Escrevia quando achava que queria".
a autoria: um encontro de amigos em um domingo.
segunda-feira, setembro 20, 2010
"Efêmera"
Tulipa Ruiz
Vou ficar mais um pouquinho
Para ver se acontece alguma coisa nessa tarde de domingo
Hoje é o tempo preu ficar devagarinho
com as coisas que eu gosto e que eu sei que são efêmeras
e que passam perecíveis
e acabam, se despedem, mas eu nunca me esqueço
Por isso eu vou ficar mais um pouquinho
Para ver se eu aprendo alguma coisa nessa parte do caminho
Martelo o tempo preu ficar mais pianinho
com as coisas que eu gosto e que nunca são efêmeras
e que estão despetaladas, acabadas
Sempre pedem um tipo de recomeço
Vou ficar mais um pouquinho, eu vou
Vou ficar mais um pouquinho
para ver se acontece alguma nessa tarde de domingo
Vou ficar mais um pouquinho
para ver se eu aprendo alguma nessa parte do caminho
Tulipa Ruiz
Vou ficar mais um pouquinho
Para ver se acontece alguma coisa nessa tarde de domingo
Hoje é o tempo preu ficar devagarinho
com as coisas que eu gosto e que eu sei que são efêmeras
e que passam perecíveis
e acabam, se despedem, mas eu nunca me esqueço
Por isso eu vou ficar mais um pouquinho
Para ver se eu aprendo alguma coisa nessa parte do caminho
Martelo o tempo preu ficar mais pianinho
com as coisas que eu gosto e que nunca são efêmeras
e que estão despetaladas, acabadas
Sempre pedem um tipo de recomeço
Vou ficar mais um pouquinho, eu vou
Vou ficar mais um pouquinho
para ver se acontece alguma nessa tarde de domingo
Vou ficar mais um pouquinho
para ver se eu aprendo alguma nessa parte do caminho
sábado, setembro 18, 2010
Dos pocket shows surpreendentes à acolhida singular, não sem amor, de Tony Rodrigues, idealizador do Bistrô, temos este espaço. Se dar adeus às só sextas mais incríveis dos últimos anos é tocante, que carreguemos, ao menos, um pedaço de lá. Cada pedaço diz de uma história. E lá também acolhe-se a história de outros. Em cada peça e mais pedaços. A arte de receber. E bom que a história se inscreve. De cada um para cada outro em suas variadas formas.
Simplesmente imperdível.
Aqui, as informações mais redondas.
domingo, setembro 12, 2010
terça-feira, setembro 07, 2010
segunda-feira, setembro 06, 2010
sábado, setembro 04, 2010
"O processo de escrever é feito de erros - a maioria essenciais - de coragem e preguiça, desespero e esperança, de vegetativa atenção, de sentimento constante (não pensamento) que não conduz a nada, não conduz a nada, e de repente aquilo que se pensou que era 'nada' era o próprio assustador contato com a tessitura de viver - e esse instante de reconhecimento, esse mergulhar anônimo na tessitura anônima, esse instante de reconhecimento (igual a uma revelação) precisa ser recebido coma maior inocência, com a inocência de que se é feito".
Clarice Lispector
terça-feira, agosto 03, 2010
domingo, agosto 01, 2010
quinta-feira, julho 08, 2010
sábado, junho 12, 2010
"O que a Fotografia reproduz ao infitnito só ocorreu uma vez: ela repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente. Nela, o acontecimento jamais se sobrepassa para outra coisa: ela reduz sempre o corpus de que tenho necessidade ao corpo que vejo; ela é o Particular absoluto, a Contingência soberana, fosca e um tanto boba, o Tal (tal foto, e não a Foto), em suma a Tique, a Ocasião, o Encontro, o Real, em sua expressão infatigável".
Roland Barthes, inpirado em Lacan. Fragmento de "A Câmera Clara".
Roland Barthes, inpirado em Lacan. Fragmento de "A Câmera Clara".
quinta-feira, junho 03, 2010
terça-feira, junho 01, 2010
sábado, maio 29, 2010
"Não dá para ninguém se safar de uma situação dizendo: - 'Ah, só se foi o meu inconsciente'"
Adorei.
Apenas um recorte daqui.
Adorei.
Apenas um recorte daqui.
sábado, maio 22, 2010
sexta-feira, maio 21, 2010
segunda-feira, maio 17, 2010
quinta-feira, maio 06, 2010
Tomei emprestado este fragmento de um novo blog, empesteado em seu início de palavras de uma escritora que é das minhas favoritas. Recomendo o blog, a simpatia de sua criadora e autora (segundo ela a proposta é que vários possam escrever por lá também) e a sabedoria de vida infinda de Clarice.
Vou além: aproveito para deixar uma singela homenagem a uma pessoa que até hoje passa pela minha vida deixando marcas e me ensinando o que é o encontro. Ela concretamente não diz, mas me faz escutar: a amizade passa, sim, pelo amor. Hoje é seu dia, Jô. Continuo desejando-lhe as melhores coisas do mundo.
"Nós, agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos reveladoras, nós às vezes nos reconhecemos. A um certo modo de olhar, a um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e isto chamamos de amor. E então não é necessário o disfarce: embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é necessário dissimular. Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que, sem ele corromperiam o ovo com a dor pessoal. Isso não faz do amor uma exceção honrosa; ele é exatamente concedido aos maus agentes, àqueles que atrapalhariam tudo se não lhes fosse permitido advinhar vagamente".
Clarice Lispector
"O Ovo e a Galinha"
Vou além: aproveito para deixar uma singela homenagem a uma pessoa que até hoje passa pela minha vida deixando marcas e me ensinando o que é o encontro. Ela concretamente não diz, mas me faz escutar: a amizade passa, sim, pelo amor. Hoje é seu dia, Jô. Continuo desejando-lhe as melhores coisas do mundo.
"Nós, agentes disfarçados e distribuídos pelas funções menos reveladoras, nós às vezes nos reconhecemos. A um certo modo de olhar, a um jeito de dar a mão, nós nos reconhecemos e isto chamamos de amor. E então não é necessário o disfarce: embora não se fale, também não se mente, embora não se diga a verdade, também não é necessário dissimular. Amor é quando é concedido participar um pouco mais. Poucos querem o amor, porque amor é a grande desilusão de tudo o mais. E poucos suportam perder todas as outras ilusões. Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter. Inclusive amor é a desilusão do que se pensava que era amor. E não é prêmio, por isso não envaidece, amor não é prêmio, é uma condição concedida exclusivamente para aqueles que, sem ele corromperiam o ovo com a dor pessoal. Isso não faz do amor uma exceção honrosa; ele é exatamente concedido aos maus agentes, àqueles que atrapalhariam tudo se não lhes fosse permitido advinhar vagamente".
Clarice Lispector
"O Ovo e a Galinha"
sábado, maio 01, 2010
"Pode dizer-se contemporâneo apenas quem não se deixa cegar pelas luzes do século e consegue entrever nessas a parte da sombra, a sua íntima obscuridade. Com isso, todavia, ainda não respondemos a nossa pergunta. Por que conseguir perceber as trevas que provêm da época deveria nos interessar? Não é talvez o escuro uma experiência anônima e, por definição, impenetrável, algo que não está direcionado para nós e não pode, por isso, nos dizer respeito? Ao contrário, o contemporâneo é aquele que percebe o escuro do seu tempo como algo que lhe concerne e não cessa de interpretá-lo, algo que, mais do que toda luz, dirige-se direta e singularmente a ele. Contemporâneo é aquele que recebe em pleno rosto o facho de trevas que provém do seu tempo".
(Giorgio Agamben, O que é o contemporâneo?)
(Giorgio Agamben, O que é o contemporâneo?)
domingo, abril 25, 2010
domingo, abril 11, 2010
Caligrafia
Luciana Elaiuy
Escreva em letra miúda a sua sensação de grandeza.
Num muro, bilhete, na testa, no verbo da tristeza.
Mas escreva em letras miúdas para caber
entre os dentes da raiva, entre os tempos da pausa,
entre o peso e a alça, o desejo e a calça.
Nomeie seus instantes.
Para ler com clareza,
não é a letra que
precisa ser grande.
Luciana Elaiuy
Escreva em letra miúda a sua sensação de grandeza.
Num muro, bilhete, na testa, no verbo da tristeza.
Mas escreva em letras miúdas para caber
entre os dentes da raiva, entre os tempos da pausa,
entre o peso e a alça, o desejo e a calça.
Nomeie seus instantes.
Para ler com clareza,
não é a letra que
precisa ser grande.
terça-feira, abril 06, 2010
Sempre fui dos que defendia a Praia do Morro, de Guarapari, de todos insultos dirigidos a ela. Frequento a praia há mais de 5 anos. Claro, é preciso dizer: escolho a época mais vazia e pego emprestado um belo apartamento no sexto andar de um prédio da orla, localizado ao final da praia, perto do morro, com uma vista invejosa. Desde então, descubro praias próximas desertas, vejo o mar colorido de azul e verde todas as manhãs, admiro a praia toda coberta por castanheiras e, não bastasse, fico sabendo que lá é considerado dos melhores lugares para mergulho submarino do Brasil, tanto pela biodiversidade marítima quanto pelos navios afundados em certos locais no mar para atrair tal tipo turismo.
Pois bem. Volto desse feriado triste e preocupado com certo descaso, pequeno talvez, mas não menos importante, dos que passam por lá em alta temporada.
Primeiro preciso ser sincero: não há muito o que fazer na cidade; não existem bons restaurantes; o único bar interessante na beira da praia é um self service que só funciona de 11:00hs às 15:00hs, deixando espaço apenas para pastelarias fedorentas e supermercados. Apesar de uma praia democrática em que frequentam "chefe e subordinado" (como escutei lá esses dias) e cerveja gelada (sempre!), não gosto das músicas tocadas, os atendimentos de alguns quiosques são grosseiros e, quando calor, é puro mormaço. Mas, acredite, reparei nisso apenas dessa vez que estive lá. E por bons motivos.
Louco para viajar e descansar, quebrar a rotina, tomo o rumo de Guarapari. Chego e me deparo com um formigueiro de pessoas que começam a pegar o resquício de sol que nos resta dos tempos nublados, mas sem chuva, às 7 da manhã. Carros-alto falantes tocando música ruim para quem quisesse e para quem não quisesse ouvir. Por aí tudo bem. O ponto alto de minha surpresa foi outro. Levanto cedo, caminho na praia desde o primeiro dia e começo a observar um comportamento que me enoja: lixos e mais lixos jogados, como se fosse uma calçada qualquer, boiando no mar ou fazendo-me desviar o caminho em plena areia da praia. A ponto de um cidadão abrir um picolé e simplesmente jogar a embalagem ao mar como se fosse uma grande cesta de lixo que, penso eu, aparenta-lhe que ele é o responsável para recolher os restos que tal cidadão produz. Uma amiga minha, em uma de nossas caminhadas, também indignada, chega a recolher três latas de cerveja, em frente a um rapaz que as consumia e jogá-las no tambor de lixo mais próximo. No penúltimo dia não entrei mais no mar. Não exagero. Era muito lixo. Mesmo vendo que no final de sábado, teoricamente último dia de praia cheia, apareceram quatro caminhões e um trator que recolheram à noite, os restos que o mar não abocanhou, senti-me traído.
Ok. Não pretendo fazer demagogia aqui. Algumas vezes me pego não dando exemplo algum de bom comportamento ambiental. O que interrogo é o hábito. Parecia que todos ali estavam alheios a qualquer discussão sobre a conservação de um bem natural, de um lugar que te acolhe em sua beleza e que lhe tem tanto a oferecer.
As pessoas não se envergonham? Não é um esforço tão grande assim. Uma simples sacola pode ser o suficiente para não depredar. Assumo que os moradores também não ajudam. O tempo inteiro mostraram-se complacentes com tal situação. Mas eu queria fazer algo. No entanto, percebi que era impotente, pequeno. A desconstrução de um hábito é algo complexo. Tem que ser feito com muita delicadeza e planejamento. O gesto de minha amiga, talvez por ter tido o efeito de um olhar curioso, era o que me restava pensar como uma saída digna.
Fui embora. Indignado, precisei escrever aqui. Traído, não falarei mais de Guarapari. Não como falava, beirando certa militância. Durante cinco anos desfrutei desse lugar com olhares apaixonados. Vivi momentos deliciosos. Faz parte de minha história. Talvez por isso, esteja tão triste.
Incrível é saber que, por obra do destino, pode ser minha última vez à Praia do Morro. O apartamento que me era emprestado vai ser alugado. Não queria que fosse assim. O que tentarei é preservar minha memória que é algo a meu alcance. Aliás, esta sim é uma ação pequena, é tarefa só minha. Porém, fica minha esperança de que um dia poderei voltar lá e desdizer tudo o que escrevi agora.
Pois bem. Volto desse feriado triste e preocupado com certo descaso, pequeno talvez, mas não menos importante, dos que passam por lá em alta temporada.
Primeiro preciso ser sincero: não há muito o que fazer na cidade; não existem bons restaurantes; o único bar interessante na beira da praia é um self service que só funciona de 11:00hs às 15:00hs, deixando espaço apenas para pastelarias fedorentas e supermercados. Apesar de uma praia democrática em que frequentam "chefe e subordinado" (como escutei lá esses dias) e cerveja gelada (sempre!), não gosto das músicas tocadas, os atendimentos de alguns quiosques são grosseiros e, quando calor, é puro mormaço. Mas, acredite, reparei nisso apenas dessa vez que estive lá. E por bons motivos.
Louco para viajar e descansar, quebrar a rotina, tomo o rumo de Guarapari. Chego e me deparo com um formigueiro de pessoas que começam a pegar o resquício de sol que nos resta dos tempos nublados, mas sem chuva, às 7 da manhã. Carros-alto falantes tocando música ruim para quem quisesse e para quem não quisesse ouvir. Por aí tudo bem. O ponto alto de minha surpresa foi outro. Levanto cedo, caminho na praia desde o primeiro dia e começo a observar um comportamento que me enoja: lixos e mais lixos jogados, como se fosse uma calçada qualquer, boiando no mar ou fazendo-me desviar o caminho em plena areia da praia. A ponto de um cidadão abrir um picolé e simplesmente jogar a embalagem ao mar como se fosse uma grande cesta de lixo que, penso eu, aparenta-lhe que ele é o responsável para recolher os restos que tal cidadão produz. Uma amiga minha, em uma de nossas caminhadas, também indignada, chega a recolher três latas de cerveja, em frente a um rapaz que as consumia e jogá-las no tambor de lixo mais próximo. No penúltimo dia não entrei mais no mar. Não exagero. Era muito lixo. Mesmo vendo que no final de sábado, teoricamente último dia de praia cheia, apareceram quatro caminhões e um trator que recolheram à noite, os restos que o mar não abocanhou, senti-me traído.
Ok. Não pretendo fazer demagogia aqui. Algumas vezes me pego não dando exemplo algum de bom comportamento ambiental. O que interrogo é o hábito. Parecia que todos ali estavam alheios a qualquer discussão sobre a conservação de um bem natural, de um lugar que te acolhe em sua beleza e que lhe tem tanto a oferecer.
As pessoas não se envergonham? Não é um esforço tão grande assim. Uma simples sacola pode ser o suficiente para não depredar. Assumo que os moradores também não ajudam. O tempo inteiro mostraram-se complacentes com tal situação. Mas eu queria fazer algo. No entanto, percebi que era impotente, pequeno. A desconstrução de um hábito é algo complexo. Tem que ser feito com muita delicadeza e planejamento. O gesto de minha amiga, talvez por ter tido o efeito de um olhar curioso, era o que me restava pensar como uma saída digna.
Fui embora. Indignado, precisei escrever aqui. Traído, não falarei mais de Guarapari. Não como falava, beirando certa militância. Durante cinco anos desfrutei desse lugar com olhares apaixonados. Vivi momentos deliciosos. Faz parte de minha história. Talvez por isso, esteja tão triste.
Incrível é saber que, por obra do destino, pode ser minha última vez à Praia do Morro. O apartamento que me era emprestado vai ser alugado. Não queria que fosse assim. O que tentarei é preservar minha memória que é algo a meu alcance. Aliás, esta sim é uma ação pequena, é tarefa só minha. Porém, fica minha esperança de que um dia poderei voltar lá e desdizer tudo o que escrevi agora.
quarta-feira, março 24, 2010
Mistérios
Joyce / Mauricio Maetro
Um fogo queimou dentro de mim
Que não tem mais jeito de se apagar
Nem mesmo com toda água do mar
Preciso aprender os mistérios do fogo pra te incendiar
Um rio passou dentro de mim
Que eu não tive jeito de atravessar
Preciso um navio pra me levar
Preciso aprender os mistérios do rio pra te navegar
Vida breve, natureza
Quem mandou, coração?
Um vento bateu dentro de mim
Que eu não tive jeito de segurar
A vida passou pra me carregar
Preciso aprender os mistérios do mundo pra te ensinar
Joyce / Mauricio Maetro
Um fogo queimou dentro de mim
Que não tem mais jeito de se apagar
Nem mesmo com toda água do mar
Preciso aprender os mistérios do fogo pra te incendiar
Um rio passou dentro de mim
Que eu não tive jeito de atravessar
Preciso um navio pra me levar
Preciso aprender os mistérios do rio pra te navegar
Vida breve, natureza
Quem mandou, coração?
Um vento bateu dentro de mim
Que eu não tive jeito de segurar
A vida passou pra me carregar
Preciso aprender os mistérios do mundo pra te ensinar
terça-feira, março 16, 2010
Uma poesia do dia.
Assisti a ela recitada por Matheus Nachtergaele.
E basta.
Eros e Psique
Fernando Pessoa
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
Assisti a ela recitada por Matheus Nachtergaele.
E basta.
Eros e Psique
Fernando Pessoa
Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada.
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera,
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado,
Ele dela é ignorado,
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.
E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora,
E, inda tonto do que houvera,
À cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
domingo, março 14, 2010
Aprendi há pouco tempo que o verdadeiro presente é aquele que carrega em si algo de seu.
Aí, ganho um texto. Lido, grifado e estudado.
Quem me deu o fez por amor. Me deu mais um pedaço de si.
O texto é de um Freud sábio, após construir e viver cada etapa de uma vida influenciada pela busca de uma escrita da vida, uma escrita antes inabitável. E uma escrita que influenciou a humanidade em uma dimensão incogitável.
O texto é uma entrevista de 1926 dada ao jornalista americano George Sylvester Viereck, perdida nos arquivos da imprensa dos EUA e publicada em português nos anos recentes.
Conversei com alguns dos grifos.
Aí, ganho um texto. Lido, grifado e estudado.
Quem me deu o fez por amor. Me deu mais um pedaço de si.
O texto é de um Freud sábio, após construir e viver cada etapa de uma vida influenciada pela busca de uma escrita da vida, uma escrita antes inabitável. E uma escrita que influenciou a humanidade em uma dimensão incogitável.
O texto é uma entrevista de 1926 dada ao jornalista americano George Sylvester Viereck, perdida nos arquivos da imprensa dos EUA e publicada em português nos anos recentes.
Conversei com alguns dos grifos.
"Setenta anos ensinaram-me a aceitar a vida com serena humildade";
"O trabalho é minha fortuna"
"O impulso de vida e o impulso de morte habitam lado a lado dentro de nós. A morte é a companheira do amor. Juntos eles regem o mundo"
"Compreender tudo não é perdoar tudo. A psicanálise nos ensina não apenas o que podemos suportar, mas também o que devemos evitar. Ela nos diz o que deve ser eliminado. A tolerância para com o mal não é de maneira alguma um corolário do conhecimento"
"A maldade é a vingança do homem contra a sociedade pelas restrições que ela impõe"
Por fim:
" Não, eu não sou um pessimista, não enquanto tiver meus filhos, minha mulher e minhas flores!"
quinta-feira, março 04, 2010
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